Por Leonardo Antonelli - A quem pertence o lucro da Petrobrás?

Por: Leonardo Pietro Antonelli, 
Fonte: Estadão, O Estado de S.Paulo - Espaço aberto 
A Petrobrás não é uma empresa estatal. Ao contrário, é uma sociedade de
economia mista, em que o controlador ainda é a União. Ser controlador
significa deter mais de 50% das ações com direito a voto. E isso o governo
possui.
Todavia o capital da Petrobrás, de R$ 205 bilhões, pertence
majoritariamente (64%) aos acionistas privados. Isso significa dizer que, se
amanhã a empresa fosse “liquidada”, os seus 700 mil investidores iriam
receber a maior parte da “liquidação”. Daí por que, sendo majoritariamente
privada e concorrendo no mercado, o seu objetivo tem de ser o lucro. É
assim no Brasil. É assim no mundo.
Pois bem, sendo o maior acionista o governo, os dividendos – leia-se lucros
ou resultados – vão, na sua maior porção, para o Brasil. Para o brasileiro.
Então, seja qual for o encaminhamento que o leitor quiser dar ao lucro da
empresa, parece-me que a proteção do caixa, no final do dia, atende ao
melhor interesse público e privado.
Mas isso não quer dizer que o leitor não possa querer dar alguma outra
destinação ao lucro. Portanto, vou me restringir à exposição de
possibilidades legais existentes, sem nenhum juízo de valor da minha parte,
pois reconheço que a Petrobrás é uma paixão nacional.
Desde que fui eleito conselheiro de administração da empresa, tenho
registrado nas atas as minhas preocupações com a intervenção dos
governos passados na sua política de preços. Os prejuízos ultrapassaram R$
300 bilhões. Esse valor pode corresponder a mais de quatro décadas de
lucros, tendo como base o balanço de 2020. Lucros que iriam
majoritariamente para a União, ou seja, para o Brasil.
O controlador, seja ele o governo, como no caso da Petrobrás, seja ele
privado, nas inúmeras outras empresas da bolsa de valores, tem direito de
destituir, substituir e indicar membros da alta administração. E nesse ponto
não houve divergência entre os conselheiros da Petrobrás. A Lei das das
Sociedades por Ações (Lei das SA) assegura à União diretamente convocar
assembleia para destituir membro ou, querendo, pedir que o conselho o
faça.
É legalmente possível que o chefe do Poder Executivo, representante legal
do controlador, indique o candidato de sua preferência para o exercício da
presidência de uma controlada.
Não me cabe aqui, repito, fazer qualquer juízo de valor acerca do modus
operandi do presidente da República na indicação de um novo membro.
Isso compete aos órgãos de controle (CVM, TCU, Justiça Federal, etc.). Esse
sistema de freios e contrapesos é parte do bônus da democracia. Um
presidente eleito pela maioria dos brasileiros, para alguns, pode ser um
ônus. Mas seja ônus, seja bônus, viva a democracia – por mais que o genial
Steve Levitsky já me tenha convencido de que as democracias morrem. E
não estou aqui me referindo ao Brasil, mas ao processo de impedimento
nos EUA, até então berço da democracia.
Recordo-me de outra indicação, frustrada, havida para a direção da Polícia
Federal. Qualquer estudante de Direito sabe que é plausível o presidente
da República indicar quem preencha os requisitos legais. Mas não foi essa
a ótica do Supremo Tribunal Federal (STF), que vislumbrou “abuso de poder
por desvio de finalidade”, concluindo que “em um sistema republicano, não
existe poder absoluto ou ilimitado, porque seria a negativa do próprio
Estado de Direito”. Traria segurança jurídica ao caso Petrobrás se o plenário
do STF tivesse concluído o julgamento, cujo processo foi extinto pela
indicação de um terceiro nome. Não atende ao melhor interesse da
companhia uma nova judicialização. Seria mais um perde-perde, malgrado
o mercado ter a segurança de que Castello Branco jamais seria um desertor,
abandonando a sua tropa.
Mas o nó górdio da questão estaria na suposta interferência futura na
política de preços, problema aparentemente insolúvel, mas que já muito já
fora resolvido de maneira simples e eficaz ao ser introduzido no estatuto
social da companhia o artigo 3.º, parágrafo 6.º, ao dispor que a Petrobrás,
quando orientada pela União a contribuir para o interesse público, somente
assumirá obrigações ou responsabilidades ... (devendo) a União compensar,
a cada exercício social a companhia pela diferença entre as condições de
mercado definidas (...) e o resultado operacional ou retorno econômico da
obrigação assumida.
Essa solução foi implementada durante o governo Temer. A Petrobrás está
blindada hoje.
Li com redobrada atenção a proposta embrionária de Michel Temer de
criação de um fundo de estabilização dos preços dos combustíveis. Por mais
que conceitualmente me tenha insurgido na Justiça contra fundos em geral
(fundos de combate à pobreza, de estabilização fiscal, etc.), entendo que a
sociedade poderá exercer o seu juízo de valor, a sua escolha. Explico:
segundo o balanço publicado nesta semana, o Brasil/governo poderá
receber, a título de lucros, R$ 0,78 por cada uma dos 3,740 bilhões de ações
ordinárias, perfazendo aproximadamente R$ 3 bilhões. Dinheiro seu, mas
que pode ser destinado ao programa social. Você decide.

ADVOGADO, E CONSELHEIRO DE ADMINISTRAÇÃO DA PETROBRÁS